8.6.07

Os bailaricos da minha rua

Os bailes e arraiais dos Santos Populares ainda conseguem sobreviver, por estarem protegidos pela edilidade alfacinha, como se fossem espécies em vias de extinção. Em tempos que já lá vão – não tantos assim – não existia rua, travessa, pátio ou beco de Bairro popular que, de forma espontânea, não fosse palco de animada festa e de alegre petisqueira.

Os Santos Populares, com séculos de tradição, eram festejados ruidosamente pelas gentes dos Bairros, que organizavam o seu próprio arraial, contratando o “cavalinho” ou abrindo as goelas ao “pick-up” do vizinho mais remediado. Como pano de fundo, o cheiro da sardinha assada, da febra na brasa e das farturas, o despejar do “tintol”, da cerveja e do refrigerante. Nas trapeiras, o manjerico à janela, a alcachofra florida e a rubra sardinheira deram a nota colorida à rua modesta, de casas e gentes modestas.

Na minha rua, ainda de macadame, acendiam-se gigantescas fogueiras, saltadas freneticamente por rapazes e raparigas com os corações mais quentes que as chamas crepitantes; à volta da fogueira, uma dança de roda e cantos populares. Outras danças de roda – sem fogueira – juntavam outros (ou os mesmos) rapazes e raparigas, cantando:

“Mais um par de jarras que na roda entrou

Deixai-o bailar que ainda não bailou”

A minha rua, dos Sete Moinhos chamada, conheceu os bailes do “Nabo” e do “Grelo”, organizados por comissões rivais de vizinhos. Eram animados por “cavalinhos” (instrumentos de sopro e de percussão) formados por invisuais ou por músicos de duvidosa qualidade. Ali bem perto, na Cascalheira, a verbena tinha outro estatuto: conjuntos mais compostos, música mais sofisticada, actuação de artistas de nomeada. Ali, além das inevitáveis marchas de Lisboa e marchinhas brasileiras, já se podia dançar ao som de pasodobles, valsas e tangos. Os ritmos mais modernos, ou se bailavam nas colectividades de recreio ou num ou noutro bailarico popular.

“Se você quiser ouvir cha-cha-cha, rock and roll

Tem um caminho a seguir: vá ao Pátio do Paiol”

Este Pátio do Paiol situa-se na Rua de Campo de Ourique, os bailes eram animadíssimos, como em tantos outros pátios, por essa Lisboa espalhados. Quem não queria divertir-se na sua própria rua fazia autênticas peregrinações aos outros bailes dos outros Bairros lisboetas: Alfama, Mouraria, Castelo, Madragoa, Campolide, Alcântara, regressando a tempo do último copo e do último pé de dança no “seu” Campo de Ourique.

E era assim que se festejavam os três Santos Populares, Santo António, São João e São Pedro, a quem muita gente acrescentava um quarto, o S. Camões, comemorado no 10 de Junho.

Fernando J. Almeida

Sem comentários: