1.3.07

Correio do Leitor

Os Fósseis

Sentado à mesa do café a ler um diário matutino chamou a minha atenção uma notícia que dizia:
“Numa rua de Campo de Ourique onde se procedia a terraplanagens foram descobertos fósseis, anteriores ao actual período geológico”.
Acabei de beber a saborosa “bica matinal” e encaminhei-me para o Jardim Teófilo Braga, vulgo Jardim da Parada, onde, por coincidência, encontrei o meu amigo Lourenço Bernardino, presidente da Junta de Freguesia de Santo Condestável.
- Oh amigo Bernardino, li agora num jornal que foram encontrados fósseis aqui na freguesia, onde foi isso?
- Foi na rua Sampaio Bruno, onde havia os restos das terras do Sabido.
E para lá me dirigi, para satisfazer a minha curiosidade.
Quando cheguei aos restos do morro, estavam lá algumas dezenas de crianças. Era a visita guiada de uma escola, de que não cheguei a saber o nome, mas como não via qualquer autocarro, devia ser de perto.
Uma jovem, possivelmente a professora, mostrava às crianças algumas cascas de bivalves fossilizados, e pedras, acrescentando que há muitos anos aquela área estivera debaixo de água.
Senti alguém puxar o meu braço. Voltei-me, era um homem idoso, com uma bela cabeleira, alva como neve, vestido com um fato de macaco já surrado de tanto uso.
- Sabe senhor, há muitos anos, o meu bisavô viveu aqui numa barraca e este local era o seu quintal, onde plantava couves e batatas.
- Contava o meu avô que o seu pai tinha um pequeno barco que amarrava na doca do Pinho, que fica perto da Gare da Rocha do Conde de Óbidos.
- Nesse barco, com o seu amigo “Zé da Burra”, ia todas as semanas até à Trafaria onde, em frente ao sítio que agora chamam o Torrão, apanhava uma sacada de amêijoas de que vendia parte e o que restava era para ele comer, aqui na barraca e, como é natural, atirava as cascas para o quintal, as quais se foram enterrando por si próprias, durante anos, por acção das chuvas.
- E agora vêm uns espertos chamarem-lhe fósseis.
Olhei bem o idoso nos olhos, pus o meu braço no seu ombro e sussurrei:
- Homem, não diga, ou melhor, não conte isso a mais niguém, senão os arqueólogos ainda o metem num manicómio.
Afastei-me e pensei: teria o velhote razão?
E fiquei na santa ignorância.

Kim Martins
Mini Contos de Ficção

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