10.5.07

A Rabicha e as hortas

Acabei de ler duas excelentes revistas editadas, em 1989, pela Junta de Freguesia de Campolide, onde é traçada uma resenha histórica daquela secular zona ocidental da cidade de Lisboa. As revistas comemoravam o então 30º aniversário da constituição da Freguesia, no ano de 1959.

Deleitei-me com a cuidada e criteriosa apresentação gráfica, com as fotografias das casas solarengas e dos humildes pátios populares, do património arquitectónico da Freguesia, com as suas construções civis, castrenses, religiosas e judiciárias. Pasmei com a – quanto a mim – grave lacuna na selecção das “Sete Maravilhas Portuguesas”, concurso promovido por um canal de televisão generalista. Essa lacuna refere-se à não inclusão do majestoso Aqueduto das Águas Livres, obra que nada deve às outras maravilhas seleccionadas, sabe-se lá com que critério!...

Apaixonado pela História d’ “esta Lisboa de outras eras”, percorri, com a avidez de um alfacinha de gema, as páginas de “Campolide” e “Pátios e Vilas de Campolide”, detendo-me, mais atentamente, na toponímia e suas ancestrais origens. E aí topei com a Travessa que possui o castiço nome de “Rabicha”; e lembrei-me de Norberto de Araújo, o ilustre olissipógrafo que, nos seus escritos, pintou autênticas aguarelas literárias de uma Lisboa “que já não volta mais” e também falou na Rabicha, nas imediações da hoje degradada Igreja de Santo António.

Campolide foi uma extensa zona rural que abarcava não só a área actual da Freguesia, mas também os actuais Campo de Ourique, Lapa, São Bento, Santos até à Ribeira de Alcântara, hoje sepultada nas catacumbas da Avenida de Ceuta e que, então, corria para o Tejo, após ter desligado por debaixo dos arcos do Aqueduto.

A Rabicha era o nome de toda aquela bucólica zona de hortas, searas, pomares e vinhedos, que se prolongava pelo vale de Alcântara até à actual Avenida da Índia e era, no século XIX, o ponto de encontro dos romeiros que demandavam as ermidas espalhadas pelas cercarias, das famílias modestas que faziam os seus piqueniques fora-de-portas, dos fidalgos e rameiras que, para aí, iam “bater o fado”, dos operários e pequeno-burgueses socialistas, anarquistas e republicanos que se juntavam, secretamente, longe da presença incómoda das polícias de Sua Majestade.

A Lisboa de asfalto, do automóvel, do cimento armado e dos centros comerciais veio pôr fim à Lisboa das hortas, dos bailaricos, dos pregões e das varinas. Para a posteridade, ficaram algumas vielas, pátios, vilas; nas placas toponímicas mantiveram-se os testemunhos do passado rural, horta Návia, Horta Seca, Horta das Canas, Horta Nova, Horta das Taipas, por essa Lisboa espalhados.

Fernando J. Almeida

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