Graffiti
Os muros do nosso Bairro tornaram-se numa gigantesca moldura de graffitis que muitos jovens por aqui decidiram pintar.
Para além dos espaços cedidos pela Câmara Municipal de Lisboa, também conhecidos por “wall of fames” ou “paredes da fama”, no propósito de atenuar as divagações dos responsáveis de tais ímpetos de “arte”, os desenhos e as assinaturas tendem a alastrar-se pela cidade, tal cogumelos o que parece um fenómeno cada vez mais difícil de travar.
Foi no intuito de compreender a mente dos graffiters que, tal Mouros, nos tomaram o Bairro, que o JB se dispôs a prosseguir com esta entrevista.
Que impulso foi esse que te levou a graffitar?
Comecei a pintar quando tinha idade de jogar à bola mas não tinha jeito para jogar à bola e optei por pintar paredes. Pensava e continuo a pensar que sei desenhar, na altura tinha o intuito de fazer coisas bonitas, de passar uma mensagem às pessoas. Em vez de pintar quadros comecei a pintar paredes, mas queria fazer arte e não vandalizar. É assim que se começa…
Sim, fiz esse auto-retrato no dia em que tirei a carta de condução. Estava muito contente, tinha feito 18 anos e copiei a fotografia da carta. Muitas pessoas disseram que o desenho estava bem feito, que se percebia que aquele era eu. Essa foi a melhor fase do graffiti e estou arrependido de não ter feito coisas mais bonitas!
Sabemos que o fruto proibido é o mais apetecido e eu era novo, gostava da abordagem crítica das pessoas… graffiti traz fama e a fama vicia, posso dizer que continuei porque fiquei viciado nessa fama!
Quero dizer que a pintura ilegal consiste num grupo de miúdos em busca da fama. Isso pode ser motivado por falta de reconhecimento… a maior parte deles tem dificuldades na escola e problemas sociais ou familiares. Há sempre uma disfunção e eles procuram o reconhecimento no graffiti, porque para fazer bombing não é preciso ter jeito nenhum para desenhar!
Posso dizer que fui bom no nosso grupo...
A grande diferença é que numa wall of fame, que é legal, podemos estar a pintar um dia inteiro, demorar uma hora a fazer um só traço e criar uma verdadeira obra de arte… numa parede ilegal temos de coordenar a rapidez com a beleza do lettering e com a adrenalina… temos de conjugar tudo de forma a fazer uma coisa bonita o mais rápido possível!
Sim, tanto no bombing como no wall of fame! Se aprofundarmos o estudo da letra compreendemos que no bombing funciona como um anúncio publicitário, em que as cores da marca ou do logótipo são mais berrantes e explícitas para chamar a atenção. O que fazemos é para ser reconhecido por nós, não utilizamos arco-íris, escolhemos cores do terror, mais escuras! Queremos ser reconhecidos pela evolução do estilo, da própria letra! O bombing tem como objectivo causar impacto enquanto o wall of fame é mais subjectivo. As pessoas têm de parar para compreender a mensagem que o artista tenta passar, como acontece com um quadro.
“Uma parede pintada está condenada a sê-lo para o resto da vida”
Qual é o significado de “Clear”?
Eu comecei a pintar com um amigo que é o Loud e mais tarde com o Tape. Mais tarde juntei-me a outra crew, pintávamos “Loud ‘n Clear”, que significa alto e bom som. Adaptei-me e evoluí as letras, se bem que no início Clear não me dizia muito…
Apreender ou repreender? Qualquer pessoa que queira aprender a tocar piano tem de começar por afectar os tímpanos dos vizinhos… Não podemos recriminar um miúdo que se esteja a iniciar, porque um dia pode vir a fazer coisas bonitas! Até há quem saiba desenhar em condições e opte por estragar as paredes apenas para ter fama…
Não podemos criticar a qualidade de um graffiti! Muitas pessoas vão a exposições da Paula Rego por gostar apenas de um quadro, os restantes não lhes dizem nada! Há outros riscos e rabiscos por aí que também não são correctos e que podem ser considerados crime, como juveleo, cdu ou psd!
Eu sou apologista de passar por cima do que não está bom, mas não acredito que seja uma grande salvação, porque a partir do momento em que uma parede é pintada está condenada a sê-lo para o resto da vida. Existem estudos a este respeito: se uma parede estiver limpa há vários anos, os graffiters pensam que há ali qualquer coisa, como um dono maluco com uma caçadeira, ou um vizinho que é polícia, ou tem câmaras… A partir do momento em que um miúdo ali faz um tag, aquela parede será sempre massacrada. E mesmo que uns achem a pintura bonita, outros não gostam e pintam por cima ou simplesmente a destroem por rivalidade… atrevo-me mesmo a dizer que pintar uma parede se torna num ciclo vicioso!
Sinto-me à parte desse mundo… por muito que já não pinte continuo a ser amigo da minha crew, mas quando acontecia gostar do trabalho de alguém que estivesse em litígio com o mundo eu não deixava de pintar com ele… para o conhecer, para convivermos e bebermos uns copos. A minha vida sempre foi essa, não entrar em guerras com ninguém, pintar porque gosto!
Adoro! Por vezes ainda os faço… quando a noite corre bem, estamos contentes e passo numa parede que me agrada e onde gostava de fazer uma coisa em condições, acabo por fazer um trow-up! É fácil, é rápido e fica bonito! Ainda ando com algumas latas no carro…
“Graffiti é arte vandalizada!”
Gosto de pintar em Campolide por ali estar a linha de comboio e por ser um bairro típico de Lisboa. A finalidade do graffiti é ter uma fotografia para o recordar e uma foto num bairro tradicional português fica sempre muito bonita!
É pela fotografia, pela fama e também pela adrenalina! Para pintar um comboio é preciso ficar a noite inteira no local, com os amigos, para tirar a fotografia matinal! Cada fotografia que vejo permite-me recordar a noite que vivi e por mais horrível que o graffiti tenha ficado, gosto de todos os que fiz!
Mais fascinante ou mais apetecível? È uma pergunta difícil… talvez a parede do aeroporto!
Já fui apanhado umas 4 vezes. Fui para a esquadra e fui agredido pela polícia. A polícia bate a qualquer miúdo que apanhe a fazer graffiti, mas esquece que nem todos são ignorantes! A partir do momento em que a polícia bate, perde a razão e nesse momento somos nós que devemos apresentar queixa! Além disso, a polícia só pode avançar se estivermos a pintar uma parede que pertença ao Estado! Também já me aconteceu ser surpreendido a pintar um comboio em Setúbal. Nós ainda não sabíamos, mas aquele sítio estava a ser massacrado e a polícia andava atenta… fugimos todos, eu corri e escondi-me debaixo de um carro. O polícia enganou-me! Passou com umas latas a abanar, eu espreitei e ele disse “corrias muito mas não foste muito esperto!” e então seguimos para a esquadra. Eles perguntaram quem eram os meus amigos e à medida que eu dizia que eram estrangeiros eles iam-me dando chapadas. Acabei por não dizer nada mas por apanhar muita porrada!
Apresentei queixa contra a polícia e fui a tribunal passado um ano, onde me condenaram a pagar a pronto uma multa de 480 euros, que correspondia à pintura do comboio!
Essas campanhas já existem no Algarve! Os municípios afixaram placares a dizer “não faça graffitis nesta parede”, pois existem locais próprios para fazê-lo! Eu gosto do Algarve e respeito essa mensagem, nem é pelos turistas que para lá vão, é para respeitar a natureza, a praia… se pintasse o placar era só para ficar com a fotografia, mas não vale a pena desrespeitar…
Lisboa, por exemplo, é uma cidade boa para pintar, é bom pintar em Lisboa!
E investir na limpeza das paredes?
É caro! Penso que a forma de evitar o vandalismo nas paredes é sensibilizar os toys, oferendo-lhes muros para pintarem livremente. O objectivo de quem começa a pintar é fazer coisas bonitas!
Essa pessoa nunca mais jogava no meu clube! Isso é muito mau, arte não destrói arte!
Há pessoas que cospem para o chão e eu também não gosto, limito-me a respeitar… Quer cuspir, deixa-o cuspir…
Graffiti é arte vandalizada!
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