25.5.07

“O meu Bairro e eu”

Só não nasci em Campo de Ourique, porque aqui nunca existiu uma Maternidade, mas o resto da minha vida girou – e gira – à volta desta, para mim, insubstituível zona da cidade: nunca me imaginaria a viver noutro local!...

São escassas as linhas postas à minha disposição para falar de mim e do meu Bairro; só muitas páginas ou mesmo um livro dariam para cumprir tal desígnio. Por isso, vou tentar descrever, a traços largos, os anos de criança, adolescente e jovem adulto, neste Bairro vividos.

Fiz a Instrução Primária numa escola que já não existe, a Escola João de Deus, na esquina da Ferreira Borges com a Coelho da Rocha; brinquei no Jardim da Parada, com o seu lago e cascata, a Biblioteca Municipal, o fotógrafo “à la minute”, os gritos estridentes dos pavões; brinquei na “Quinta”, como chamávamos ao Bairro dos Artistas (Rua Coelho da Rocha, 69), onde laboravam ateliers de mestres escultores (por exemplo, do Leopoldo de Almeida), fábricas de bolos e rebuçados, o Clube Arte e Sport e oficinas de automóveis. Conheci as Terras do Sabido, conhecidas por “Terras do Ti Albano” e pasmei com a existência de um habitante do Bairro, que o percorria montado no seu cavalo, indo tomar a bica ao “Meu Café”, sem desmontar: era o Sr. Falcão.

Como adolescente, descobri os cafés para estudar, conviver, ver televisão. E lá estava “O Meu Café”, cujo dono – o Sr. Alexandre – se orgulhava das sucessivas gerações de estudantes, que por ali passaram, estudaram e se formaram. Também frequentei o “Gigante” (hoje um Banco da R. Ferreira Borges), a “Tentadora”, o “Raiano”, o “Ruacaná”, abertos até às tantas, para terminar a noite no “Canas”. E atrás de mim e dos meus companheiros, iam as longas conversas, as tertúlias, as silenciosas conspirações contra o Regime.

O Cinema Europa, com a porta principal na Almeida e Sousa, acolhia aqueles adolescentes e jovens adultos nas sessões duplas cinematográficas e nos programas de variedades, que incluíam concursos de descoberta de novos talentos artísticos. Aí pelos meus 16, 17 anos participei no concurso “do Céu caiu uma Estrela”, incluído no programa “Clipper Musical”, uma produção de Arlindo Conde. Cantei “Diana”, um hit do cantor canadiano Paul Anka. Foi um sucesso caseiro…

Ainda como jovem adulto (não tão jovem assim…), no tempo da outra senhora, tornei-me um “revolucionário de café”, discutindo acaloradamente Política, sempre desconfiando do parceiro da mesa do lado (poderia ser “bufo”…). Nessa altura, frequentei o pub “Candeeiro”, na Rua Padre Francisco, frente à Igreja de Santo Condestável, onde tive o prazer de conviver com a Natália Correia, Ary dos Santos, Ana Hatherley, Dórdio Guimarães, o actor Carlos Paulo, o “baladeiro” Daniel e “tutti quanti”. A noite terminava com o fado vadio na “Cabana do Viriato”, que hoje é uma Igreja Evangélica, na Rua Saraiva de Carvalho. Foi, também, em Campo de Ourique, com as minhas vinte e poucas primaveras, que iniciei uma curta carreira artística, como vocalista do conjunto (agora diz-se “banda”…) “The Baby Twisters”, que actuou em várias sociedades de recreio lisboetas, como o CACO (Clube Atlético de Campo de Ourique).

Hoje, a vida social do Bairro não se compara com a daqueles tempos: os cafés fecham cedo, tornaram-se snack-bares, lá não se estuda e o ambiente é pouco propício para a leitura, a tertúlia, a conversa, o buliçoso convívio; o Europa está votado a um triste e indigno abandono.

Haveria tanto para acrescentar a esta crónica, mas fazê-lo seria meter o Rossio na Rua da Betesga ou, adaptando a Campo de Ourique, meter o Jardim da Parada no Beco do Fogueteiro!

Fernando J. Almeida

1 comentário:

ié-ié disse...

boa noite! em que sítio, exactamente, era o Gigante?

obrigado.

LPA